sexta-feira, 6 de novembro de 2009



Era uma coruja.
Sim, ela sabia disso.
Mas não era uma coruja comum. Ela também sabia disso. Ela tentara, milhões e milhões de vezes conversar com seus semelhantes, mas eles jamais a haviam respondido. Ela sabia que era diferente, sabia não haver ninguém igual a ela. Sabia falar. Ela sabia falar, mas quase nunca falava. Não tinha com quem conversar. Sabia as horas, pelo sol e pela lua, e sempre foi assim. Conhecia sobre as cores, flores, plantas e gente. E não sabia porque, só sabia que sabia. Falava com o vento e as plantas. O carvalho grande no meio da floresta a avisara, que ela era diferente. Ele era sábio o gentil, esse carvalho. Seu amigo, uma árvore.

Uma vez ela tentou pedir para um garoto humano parar de lhe jogar pedras, não sabia porque ele estava fazendo aquilo. Ele soltou um grito e saiu a correr. Ela sempre entendeu as coisas ao seu redor. Quase tudo. Menos seus semelhantes e os estranhos humanos. Se admirou ao acordar para a vida noturna e se perceber só. Foi atrás de outras corujas, que não lhe deram ouvidos, muito menos companhia.

O sol acabara de se pôr, deixando a floresta entre os rastros de luz e o breu, o fim do dia e o início da noite, aquela hora incrivelmente mutável. A hora do crepúsculo, o começo de seu dia. A coruja adorava aquela hora, era a hora do espetáculo. A primeira coisa que sempre fazia. Abriu suas magestosas asas e caiu, deixando-se deslizar pelo vento gélido. Ela se sentia leve. Apanhou alguns gafanhotos com um vôo rasante, e se posou em sua árvore preferida. Era em frente à cascata de água cristalina, as árvores pareciam abrir caminho para que ela passasse, e não que ela estivesse se intrometendo ali. A coruja se postou e observou, deixando sua maravilhosa visão se prolongar até a magestosa criação humana. Eram blocos de pedra enormes, postados como uma grande proeza entre os dois lados da encosta que parecia feito por obra de um habilidoso bruxo. Era uma espécie de ponte, algo assim.

A visão da coruja tomou um breve tom doce, ela percebeu isso batendo ligeiramente os bicos. Se concentrou mais até chegar à uma das janelas do castelo. E observou.

O homem segurava a mulher pelos cotovelos. Aquilo era errado. A coruja sabia que aquela devia ser uma condessa ou algo assim, por suas roupas. E também sabia que ela era comprometida. Na noite passada, a mesma mulher havia chegado e tinha uma recepção pra ela. Muitos comes e bebes, animais mortos com um tipo de essência de calor flutuando sobre eles. Pareciam ser boas vindas. O homem apertou com força a mulher, a coruja soltou um piado ao sentir que aquilo era errado, muito errado. A mulher tentou gritar, abrindo a boca. Foi encostada na parede, prensada. Mas sua boca não estava mais tapada, ela poderia gritar, mas não o fez. Virando o rosto pro lado, vibrando de curiosidade, a coruja percebeu a mulher fechar seus olhos e gostar daquilo.

Sem nada a fazer, ela observou os movimentos e as roupas caírem. Ela lembrou no meio de todo aquele alvoroço, que aquele homem era quem limpava as janelas. Ela o via sempre, desde que se lembra. E era errado eles estarem ali entrelaçados no chão de uma das janelas que ele limpava. Relembrou também, o garoto que o jogou pedras um dia. Sim, era agora o limpador de janelas da construção magnífica. Estava tudo errado. Mas a mulher nao estava mais se importando, ela apenas mordia os lábios.

Mas logo houve um alvoroço. A coruja deslizou bem pouco seu olhar, bem pouco e pode comtemplar a janela do outro lado. Muitos guardas, andando na direção dos dois. Indo na direção daquela janela, a única em que não podiam estar. A coruja soube o que aconteceria, mas ficou em seu lugar. Não deveria interferir.

Virou o rosto pro outro lado, se distraindo com a bela floresta que aos poucos anoitecia e ganhava vida.

1 comentário:

  1. Acho que captei o "Espírito" da parábola. O problema, meu amado filho, é que sempre existe algo errado. Para isso, Papai do Céu nos colocou no mundo, para consertá-lo. Que venha o Malchut Hashamaim (Reino dos Céus), onde as corujinhas, com certeza, terão o seu lugar. Beijos. Seu "coruja", próximo dos 46.

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