quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Eu lembro bastante daquele dia.

 Era janeiro, março, dezembro. Nem lembro direito. Mas, lembro que eram 4:30 da manhã, e eu acordei cedo como todo santo dia, para minha caminhada da felicidade. Pus meu tênis surrado, uma camiseta de propaganda e meu short azul. Meu esforço pra emagrecer, parecia sempre meio inúltil, ja que na volta eu fazia a festa com abacatada e pães. Saí de casa com aquele ar de sono de sempre, meus cabelos desimportantemente descabelados balançavam ao vento. Apesar do "frio" da madrugada, o vento estava... Muito forte. Ou algo assim. Talvez o próprio dia estivesse dando seu ar de diferença, me mostrando que eu me lembraria daquilo. E talvez escreveria sobre aquilo. Ou não.
Eu me lembro de dar passos largos pra terminar logo a caminhada. Não que caminhar de manhã fosse um dever pra mim, algo que eu fazia sem gostar. Mas meu sono sempre me deixa mal humorado ou... Enfim. Não me deixa normal. Então eu fui rápido até a praça de sempre, de tantas e tantas vezes. Me lembro de ver um rato passar correndo no meio da rua e me assustar, mas isso é irrelevante.
Voltas e mais voltas, eu realmente estava ficando cansado daquilo. Aquela praça redonda me deixava exausto de olhar, mas eu insistia. Pensei várias vezes em voltar logo pra casa, deitar mais um pouco e depois acordar pra ir a escola. Mas continuei minha caminhada. Lá pela volta 28, ou algo assim, eu tropecei e caí com as mãos, cotovelos e joelhos no chão. Eu tinha corrido algumas vezes, o que me fez estar ofegante e bem cansado. Eu fiquei ali, no chão deitado, rindo de meu desastre. Fechei meus olhos pro sol que começava a nascer, nascer mesmo, com força e brilho. Ele não vinha aos poucos, ele chegava e faltava nos cegar e matar de ardor. Fiquei ali.
Aos poucos minha audição ia voltando e voltando. Eu nem tinha reparado que estava sem ouvir, geralmente só reparava quando sentia dor. Aos poucos, fui ouvindo um breve gemido de sofrimento, um choro que se tornava cada vez mais alto. Me levantei de sobressalto, feito um ninja. Fiquei sentado, procurando ao redor e logo vi cabelos loiros, olhos azuis. Uma moça muito, mas MUITO bonita estava se desabando em choro. Dava pra sentir o sofrimento emanar dela, e eu não estou tentando fazer fala poética ou algo assim. Ao olhar pra ela, senti sentimentos estranhos. Eu fui até ali, ainda não sabia o que eu estava fazendo, mas fui. Sentei ali, ela nem se mecheu. Eu tinha um lenço no bolso que eu geralmente o usava pra conter minhas glândulas sudoríparas, mas eu não o havia usado. Então o estendi. Ela apenas segurou sem olhar pra mim, pediu desculpas por atrapalhar minha caminhada. 
Eu não iria perguntar o que havia, afinal quem era eu? Quem era ela? Éramos dois estranhos, eu suado e ofegante e ela uma... Loira, chorando.
- Meu nome é Laura. - Ela riu, um sorriso que parecia ser característico. O sorriso iluminou levemente seu rosto como se ela não estivesse sentada em um banco de praça, chorando alto como estava.
- Jacob. - Estendi a mão e apertei seus dedos. Seu sorriso me fez rir também, de uma forma que eu não sei explicar. Foi inevitável não retribuir. Ela parecia mais á vontade.
- É meu filho. - Ela continuava a olhar o chão. - Sabe, ele morreu. - Ela não parecia uma mãe de família ou algo assim. Parecia uma jovem, 22, 23 anos? Mas se olhasse a fundo nos olhos dela como depois fiz, você veria uma mulher, uma senhora cansada, desgastada pela vida. Laura era linda.
- Hm, meus... meus pêsames, eu acho. - Improvisei. Ela riu da minha falta de jeito. - Tudo bem, ow.
Observei ela mesmo olhando o chão, fechar seu rosto. Vi novas lágrimas brotarem ali, como se a lembrança e meus pêsames aumentassem o peso de algo. - Foi um acidente de carro, não foi culpa de ninguém... Faz muito tempo. Minha mãe... Levou todas as coisas que ele havia deixado hoje. Ela não quer que eu fique me lamentando, ela acha que lembrar me faz mal... Mas ele só me faz falta. - Observei Laura se abraçar como se juntasse seus cacos, para se manter viva. Ela voltou a soluçar com uma rapidez incrível, sem nenhum traço de vida ou sorriso no rosto. Me senti completamente desconfortável em questão de segundos, sem saber o que fazer. 
- Ele.. Eu sinto falta dele. - Ela ainda soluçava. - Minha mãe não deixou nada, mas quem ela pensa que é pra fazer isso comigo? Ele era meu, MEU filho, ela nem visitava ele. Nem gostava dele. Quando o Gustavo bateu o carro, ela procurou primeiro saber do filho querido dela, antes de perguntar por mim e meu filho. Eu só... - Ela tapou a própria boca, afundando em um choro tão desesperado, que quando me vi, eu também estava chorando.
Poucas vezes senti coisas tão rápidas e forte, mas eu não precisava ter um laço com aquela mulher para ajudá-la. A tristeza dela era tamanha, que passou pra mim, ao menos alguma parte e eu confesso que jamais entendi aquele sentimento. Eu simplesmente estava chorando, talvez quase desesperadamente como ela. Não, nem tanto. Mas desesperadamente. Eu me senti na obrigação de ajudar, seria um pecado se eu não o fizesse. Um abraço? Não, sou apenas um estranho. Uma palavra amiga? Primeiro, não era amigo, segundo, jamais me considerei bom com as palavras. Então o que? Foi aí que pensei: "Eu preciso. Eu tenho que ajudá-la. Mas quem sou eu, de que eu serviria?"
Perdido em meus pensamentos, mal notei que Laura tinha parado de chorar, pois meu choro agora estava valendo por mim e por ela de tão alto. Certo, uma pitada de sentimentalismo demais na minha personalidade, mas duvido que qualquer um não teria se emocionado com aquilo. A olhei nos olhos pela primeira vez, e ela me encarava pasma. De um segundo ao outro, Laura se atirou na minha direção e apertou com força minhas bochechas. Ela olhava dentro dos meus olhos, de uma forma... Se antes, eu havia me sentido desconfortável com seu choro e sofrimento, nada foi comparado a forma como ela me olhou nos olhos. Não tinha só esperança. Havia amor, muito amor naqueles olhos. E aquilo me desconfortou, de uma forma como nunca havia acontecido antes. Se esse desconforto poderia aumentar? Sim. Ela abriu um sorriso estonteante, um enorme sorriso, um sorriso radiante, feliz. Se jogou em meus braços e eu a abracei, sem entender nada.
- Ele está em minhas lembranças, isso é o importante, não é? - Ela falava alto, estérica, enquanto me apertava. - E sim, não são as coisas materiais que o tirarão da minha memória. Seus olhos... - Ela voltou a segurar minhas bochechas e me olhar daquela forma, eu sentia seus dedos tremerem. - ...São exatamente iguais aos dele. Não iguais, digo. Muito parecidos. E quando olhei neles, eu vi o rosto do meu filho, sorrindo pra mim. Apesar de te ter feito chorar também. - Alguma culpa no sorriso dela, mais eu retribui. 
- Hm. - Tentei falar, mas não consegui. Aquilo tinha se tornado feliz e engraçado. Eu me sentia curado, como se em alguns minutos eu simplesmente tomei todas as dores e felicidades de Laura.
- Você é um anjo. - Ela se levantou, me dando um demorado beijo na testa. Saiu correndo, em sua corrida suave e feliz. Eram tipo uns saltinhos delicados, um andar de bailarina. Ela entrou em uma das grandes casas que rodeavam a praça. Permaneci ali sentado e tonto, sorrindo sozinho.
Não havia mais o que pensar daquela manhã. O celular vibrou, avisando que 6 hrs acabara de chegar. Eu me levantei e comecei a andar, meus pés nem me obedeciam direito. A dor da caminhada voltara, e todo meu corpo reclamava, gritava. Mas havia uma felicidade em mim que eu não sabia explicar. Me senti alguém, últil. Olhei pra trás antes de dobrar rumo a minha casa e a vi frenética na janela, acenando com as duas mãos. Ela estava feliz de novo. E eu também, não de novo, mas feliz. 


Nunca mais a vi de novo. Mas desse dia eu jamais vou esquecer. Se algum dia nos vermos por aí, ou por algum vento misterioso e frio da madrugada, você venha a ler esse blog, lhe desejo toda a felicidade do mundo, Laura.

1 comentário:

  1. Interessante, Jacob, sem sentimentalismos exagerados, contido, mas "VERBOSO".... parabens pela experiência! Lembre:arte é ar que respiremos e nos inspira a transpirar com as palavras. SHALOM.

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