sábado, 19 de setembro de 2009

Historia dois.


- Como eu vou saber?
- Não existe um padrão! - Argumentou Beth. Feia, cabelos loiros desgrenhados e bem curtos, magrela, da minha altura e no sentido literal, eternamente vestida em uma farda escolar dos anos 80. E ah, ela estava morta. - Há muitas formas de se saber..
Eu tive certeza, apenas pelo tom de sua voz que ela logo desandaria a falar. Só precisava de um pequeno incentivo. Era bastante tagarela pra uma fantasma. Em vários aspectos era ela minha melhor amiga. Nós bricávamos desde que nos conhecemos, e conversávamos muito. Mas..
- Por exemplo..? - Simplifiquei. E logo comecei a rir. Ela sugou o ar com força, como se realmente respirasse, e arqueou as sombrancelhas com uma expressão de quem "sabe das coisas".
- Não tem como ser precisa nisso. Todos nós.. A manisfestação é sempre diferente. Em mim, quando eu era viva.. Eu soube porque meus dedos formigaram.
Me esforcei pra entender. Me ajeitei sobre um resto de carteira queimada no qual eu me sentava agora. Desde o início do verão, eu ia até as ruínas da antiga escola estadual, vítima de uma incêndio misterioso que não deixou nenhum sobrevivente. Eu ia lá todos os dias, encontrar minha fantasma. Foram dias ótimos.. E eu me mudaria hoje.. Não quis pensar nisso. Eu e Beth prometemos que não haveria uma despedida. Fiz uma careta.
- Meus dedos nunca formigaram. - Murmurei desapontado.
Ela deu sua versão ruidosa e bem humana de um sorrizo.
- Não tenha pressa gorducho. Você tem uma vida toda pela frente.
Não me contentei. Mas eu sorri alto. E ela também. Do mesmo jeito que ela havia sorrido na primeira vez que me viu..
(Eu estava nas ruínas da antiga escola, procurando minha bola. Era difícil caminhar por aqueles destroços pretos. Meu grito de horror ao ver uma fantasma feia atravessando as paredes semi-destruídas e aos pedaços, provocou a primeira risada da morte dessa fantasma medíocre.)
- Você me ama Beth?
Ela fitou o nada. Eu não sabia o que esperar daquela expressão dela.. Os olhos dela ficavam vazios, e ela fazia expressões derrubadas. Parecia realmente morta. Eu sentiria falta dessa morta, eu sabia disso.
- Não posso.. sair daqui. Estou presa nessa ruínas. Eu iria com você se eu pudesse. - Ela estendeu o desenho pálido e quase transparente que deveria ser sua mão.
Ergui meus dedos devagar. Ergui minha mão até o lugar onde eu deveria sentir a pele macia de sua mão. - Sempre estaremos juntos. - Ela prometeu.
Eu entendi, de repente. Mas cedi. Permiti que meus instintos de covarde me guiassem, e corri pra minha casa o mais rápido que pude.

A ponta de meus dedos formigavam freneticamente.

1 comentário:

  1. Yaakov ben Shalom, o "happy end" é inusitado. Gostei da prosa criativa! Há mais imaginação na mente/coração para ser criativamente explorada. Interessante. Não procure imitar ninguém, deixe fluir "a unção" pelos dedos. Já ouviu falar em "fluxo de consciência"? Enquanto o jovem Yaakov vai sendo moldado, o maduro Yaakova olhará para trás e dirá "amen!". Do sempre seu: Eliahu Shalom.

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