quinta-feira, 27 de agosto de 2009

História um.


Inerte. Era como ele estava. Parado, pensando. Deitado. Dei uma checada em seu rosto. Não soube dizer se ele era bonito. Seu rosto pra mim de alguma forma era familiar. Ele se remexeu embaixo do cobertor, uma expressão no rosto que considerei como insolente. Hm.. Também não soube dizer se ele sonhava, para mim suas rugas e linhas faciais eram completamente comuns, assim como as feições. Brotava um ronronar baixo de sua garganta.
Ele inspirou. Eu observei mais atentamente. Tive a impressão certeira de que ele não estava apenas suprindo sua nessecidade de ar. Não, ele não estava. Claramente, ele estava buscando se aliviar de algo. "Pesadelos?" Me perguntei. Ele finalmente expirou, sem pressa alguma. Tudo ficou escuro pra mim de repente. Eu tive consciência de que acabara de entrar na mente dele.
Não consegui ver o chão. Alguma coisa na superfície plana e dura que eu colocara os pés, me lembrou o azulejo branco e frio do meu quarto. Algo no ambiente me inscitou a andar. Um tipo estranho de eletricidade, movia meus pés para dentro. Um pé atrás do outro, comecei a andar sem consciência disso. O espaço ao meu redor era escuro e estranho. Luzes sorrateiras, começaram a brotar. Do nada. Vindas de todo lugar. Permaneci calmo. Estranhamente, me senti em casa assim que parei de andar.
A luz era meio morna. Dava pra sentir. Tinha cores estranhas, destacadas. Menos a cor branca. Não havia branco presente naquele lancete reluzente de cores. Não me perguntei porque. Eram cores ao breu. Era como uma noite fria, escura e.. crua. Como uma noite sem lua ou estrelas. Tudo isso, misturada ao calor de um dia bem quente, o sol bem em cima da cabeça de todos. Era uma mistura boa.
Olhos. Sem dúvida, aquelas coisas eram olhos. Imóveis. Olhos enormes, imóveis e negros. Pairando no ar. Em todos os lugares. Feito bolas pintadas, eles olhavam em todas as direções. Não eram organizados. Eles não me viam.
Portas. Também havia portas. Seus calços estavam próximos à superfície que eu julgava ser o chão. Olhei pra cima e arfei. De surpresa. De susto. E principalmente de fascínio. O teto, agora tomava as cores do céu, um azul maravilhoso! Resplandecente, reluzente. As nuvens foram se pondo em seus lugares, até que a movimentação parou. Eu praticamente brilhava de curiosidade. Arfei, dessa vez mais espantado. Olhei rapidamente pra baixo, de onde vinham novas luzes e cores. O teto e o chão, haviam virado cópias perfeitas do céu. Meu instinto gritava que eu iria cair. Mais nada aconteceu. Precisei de vários minutos pra perceber que eu pisava em um espaço azul de céu. E mais minutos ainda pra relaxar, e ver que o azul era sólido.
Procurei ansioso, o olhar observador para rever as portas. Portas pra mim eram tranquilizadoras. Eu considerava portas, grandes oportunidades. As que estavam ali, eram de um mogno belo e rústico, parecendo antiguidades. Assim como os olhos que continuavam ali, as portas estavam paradas, cada uma em uma posição diferente. Me lembrou um labirinto.
Percorri com meu olhar analisador, curioso. Enrigeci ao perceber: Uma das portas estava aberta. "Um convite?" Pensei. E ri: Eu estava tendo pensamentos, dentro dos pensamentos de outra pessoa. Hilário. Testei mais uma vez com os pés, a consistência do solo azul. Parecia duro como pedra. Andei, sem vacilar até a porta aberta. Minhas pernas estavam relaxadas, como se a eletricidade que antes me arrastava pra dentro, me deixasse agora escolher pra onde eu queria ir.
Observei assustado, agora dentro de outro ambiente escuro: Eu não estava sozinho. Havia um menino. Um menino sentado à alguns metros de mim. Parecia confortável sentado sobre um.. tipo de azulejo.. A criança deslizava o dedo indicador no chão.. Vermelho? Sangue. Arregalei os olhos de pavor. A criança estava coberta de sangue, de repente. Dos pés a cabeça. Sangue vermelho e cintilante. Ela parecia não perceber. Eu não conseguia mais me mecher.
O menino se embalava devagar, cantarolando mentalmente algo. Algo como uma música infantil.. Eu podia ouvir. O som preencheu todo o ambiente. Havia rugas fundas na testa dele, fincadas como uma máscara. Concentração? Eu não sabia. Parecia comum pra mim. Reconheci o significado do peito estufado e nu, dos olhos semicerrados. Coragem. Observei o menino, que de repente puxou o ar com força, muita força. Me senti sugado, de uma forma ridícula. E ele gritou. Alto. De uma forma ensurdecedora.
O grito do menino se sobressaiu à música. E foi como um chamado. Do nada, os olhos da "sala" anterior surgiram ali. Todos derramavam lágrimas enormes. Portas. As portas também atenderam ao chamado. E se despedaçaram. Uma a uma, as portas giravam rapidamente e se chocavam uma a outra, se despedaçando. O menino ainda gritava, e parecia que nunca iria parar. Tapei meus ouvidos. E me arrependi.
Reconheci a umidade em minhas mãos. Eu ainda tinha o tato e a visão. Afastei minhas mãos pra ver. Sangue. Eu estava do nada, incrivelmente coberto de um sangue vivo e vermelho. Meus braços, pernas, mãos, cabeça. O menino ainda gritando, olhou diretamente pra mim pela primera vez. Eu retribui o olhar, apavorado. E gritei. Não sei direito porque. Mais eu gritava muito alto. De uma forma ensurdecedora. Meu grito e o do menino, se tornaram apenas um. O mesmo tom de voz, observei. Eu não sabia mais quem era eu. Eu encarei o menino, e meu olhar se prendeu ao dele.
Eu ainda gritava. Ele também. Ele tinha uns cabelos encaracolados.. Ensaguentados.. Pendiam em cachos um pouco abaixo da orelha. Seus olhos chorosos por baixo do sangue.. Eram uma cor híbrida e estranha, mel misturado à capim. Foi quando me assutei, assumindo os pensamentos que eu agora tentava afastar. Tinhamos a mesma cicatriz na testa. Arregalei os olhos.


O menino era eu.

3 comentários:

  1. tenho varios amigos q tem o dom de escrever, confesso q invego eles.Achei teus textos lindos. num desiste naum continua postando!!

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  2. eu gosto desse,to lendo agora de novo e

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