quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Tatuagens.

Eu passei pela rua 13, exatamente a meia noite do dia 3 de janeiro de 2011. Lembro-me com precisão do tom verde musgo que irradiava pelo parque municipal, através da grama aparada. Recordo-me do cheiro de terra pouco nítido sufocado pelos odores químicos da civilização, da lua brilhante meio que se escondendo atrás de uma palmeira. E lembro do menino.
Ele usava um pijama azul marinho, que cobria suas pernas e braços por completo. Seus cabelos eram loiros e enrolados, grandes o suficiente pra cobrir os olhos que talvez fossem azuis. Ele era esguio, branco e frágil. Sentado bem em frente a um enorme emaranhado de arames farpados, que circulavam e cobriam todo o ambiente ao redor de uma flor. A bela Brassavola nodosa encontrava-se bem protegida, ramificando alguns talos verdes gigantes para fora da proteção.
Continuei por alguns segundos observando o menino e a flor, imóveis, talvez trocando um olhar cúmplice. Não me demorei muito e retomei o caminho de casa.

Eu voltei á rua 13, exatamente a meia noite do dia 4 de janeiro de 2011. Lembro-me com precisão do vermelho sangue que gritava sobre o verde musgo da grama aparada. Recordo-me do cheiro de morte e carne putrefada sufocando os odores químicos da civilização, da lua brilhante realmente se escondendo atrás de uma palmeira, quase tapando os olhos. E lembro do velho.
Ele usava um pijama azul que não lhe cobria de forma correta o corpo, como sendo o vestuário de tamanho  P e o senhor, concerteza G. Seus cabelos eram brancos e enrolados. Retorcido entre os arames da proteção grotesca, ele tentara transpassar de seu corpo (conseguira apenas metade do objetivo) por entre as grades em uma auto-mutilação descabida. Em vão. A orquídea estava ainda intacta e inerte, a uma boa distância dos braços mortos e flácidos do velho. Quem sentisse o cheiro da situação, imaginaria que aquele senhor estaria tentando aquela façanha a anos e morrera lentamente, tentando com desespero alcançar a flor, que agora era regada com seu sangue.

Me aproximei, sem nem sequer tentar resistir. Tirei uma das chaves do bolso e abri uma porta secreta entre os ferros, arames farpados e pregos. Ignorando o cheiro insuportável de morte, ergui o rosto do velho cadáver. Abri um sorriso.

Seus olhos eram verdes, não azuis.